O ovo

Ovo floral m

Jean Chevalier; Alain Gheerbrant
Dicionário dos Símbolos
Lisboa, Ed. Teorema, 1994

O ovo, considerado como aquilo que contém o germe a partir do qual se desenvolverá a manifestação, é um símbolo universal. O nascimento do mundo a partir de um ovo é uma ideia comum a Celtas, Gregos, Egípcios, Fenícios, Tibetanos, Hindus, Chineses, bem como a muitos outros povos.

O ovo é uma realidade primordial, que contém em germe a multiplicidade dos seres. Representa uma imagem-padrão da totalidade. O ovo cósmico e primordial é uno, mas encerra ao mesmo tempo o céu e a terra, as águas inferiores e as águas superiores. Na sua totalidade única comporta todas as múltiplas virtualidades.

O ovo aparece igualmente como um dos símbolos da renovação periódica da natureza; daí, a tradição do ovo da Páscoa, e dos ovos coloridos, em muitos países.

O ovo participa também dos valores do repouso, tal como a casa, o ninho, a concha, o seio materno. Mas, no interior do ovo, como no seio simbólico da mãe, existe a dinâmica do ser que pretende libertar-se: o ser vivo aspira a sair dessa doce segurança: o pintainho quebra a sua casca suave e quente. O ovo torna-se o símbolo do conflito interior entre o desejo de proteção e conforto e o desejo de desafio e de aventura, bem como entre a tendência para a introversão e a tendência para a extroversão.

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Etienne Perrot
Les rêves et la vie
Paris, Editions du Dauphin, 1999

Relato de um sonho que poderia comparar-se a um quadro surrealista:

Acordei tendo nos olhos uma pintura a óleo que deveria realizar. O quadro encontra-se dividido a meio pela linha do horizonte, que demarca um deserto imenso que se estende até ao infinito sem o menor indício de vida, um deserto de areia a perder de vista. Por cima, um céu azul-escuro, cor essa que é também a da areia à direita do quadro. Toda a sua parte direita é sinistra, assustadora. À esquerda, bastante longe, um ovo imenso encontra-se pousado na areia. Um pouco acima da linha do horizonte, fora do quadro, uma fonte luminosa, que não parece um céu, mas antes uma fonte espiritual, ilumina o ovo, projetando a sua sombra imensa sobre a direita do quadro. Acordei tendo em mente a ordem de pintar esse quadro, e sabia que este representava o Pós-Apocalipse, em que o ovo conteria uma nova humanidade vinda de um além indefinido para repovoar a terra depois do Apocalipse.

Etienne Perrot: Será preciso saber se se trata de um sonho profético que anuncia o que vai passar-se no mundo, ou se é um sonho que indica o futuro e a evolução da sonhadora. É naturalmente nesta hipótese que é preciso pensar de início, já que é a única que lhe permitirá evoluir. O Apocalipse, segundo os alquimistas, é a Grande Obra, a obra de realização interior, que conduz, através dos flagelos, à instauração da Cidade de Deus sobre a terra, aquele universo de paz e de consciência superior representado pela Jerusalém Celeste, tendo, ao centro, a fonte da Vida e as árvores da Vida. No sonho, ela tem de pintar este quadro. Nos sonhos, os quadros são imagens interiores tornadas conscientes. Se a sonhadora deve fazê-lo, quer dizer que deverá tornar algo consciente em si, integrar o que lhe é mostrado.

O que ela vê é, num primeiro momento, algo de assustador: um quadro de deserto e de obscuridade. “As trevas estenderam-se sobre a terra”, para empregarmos a linguagem bíblica. Ocupam todo o espaço consciente, isto é, o lado direito, mas a renovação poderá vir das profundezas do inconsciente, da esquerda. Esta renovação é, de início, representada pelo ovo. É a totalidade sob a forma de germe. Os alquimistas gregos falavam já do ovo do mundo que continha em si todo o mistério. Este ovo é, manifestamente, o ovo do mundo.

Henri Gougaud: Penso na história de As Mil e Uma Noites, onde se fala do ovo do pássaro Roc.

Etienne Perrot: Aqui ele parece conter o germe da humanidade inteira, o germe da renovação de toda a personalidade da sonhadora.  Este germe não evolui sozinho, é iluminado por uma fonte de luz espiritual que vem do lado esquerdo. Essa fonte encontra-se fora do quadro, é o fundo do mistério que escapa ao indivíduo. O ovo representa a vida que vai desenvolver-se no mundo manifestado, na circunferência do círculo.

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