A imagem

Georges Romey
Excertos adaptados

A imagem

O mundo é um gigantesco livro de imagens. Imagens tranquilizadoras, se considerarmos que testemunham aquilo a que chamamos “realidade”. Imagens perturbadoras, quando adivinhamos que apenas exprimem aparências. Imagens prodigiosas, quando o espírito as impregna de transparência e nos conduzem à outra margem da realidade.

Estes capítulos compõem um vasto livro de imagens. Imagens que nenhuma máquina fotográfica poderia captar, já que foram captadas do outro lado do olhar.

Não é fruto da imaginação do seu autor, mas de uma análise feita por ele sobre dados verificáveis. Estes dados foram produzidos por cerca de três centenas de pessoas que escolheram viver a última aventura acessível a cada um de nós: a exploração do interior feita a partir do imaginário.

O papel e a natureza da imagem

Cada imagem que os nossos olhos identificam é um indício precioso que nos permite situarmo-nos no universo manifestado, sendo, ao mesmo tempo, uma malha do véu de Maya, um fragmento de cenário, uma armadilha que mascara a outra face da realidade.

Tomemos, como exemplo, o gato.

Assim que o olhar transmite ao cérebro sinais específicos que lhe permitem reconhecer as formas, as cores e as atitudes do gato, estes estímulos despoletam dois tipos de ressonâncias, completamente diferentes, embora ligados estreitamente um ao outro.

O primeiro diz respeito à realidade concreta, tangível e objectiva: permite-nos identificar o animal e reagir à sua presença em função de um sistema lógico de apreciação.

Consoante o lugar, as circunstâncias e a consideração que temos habitualmente por este felino, a reacção será de prazer, ternura, indiferença, agastamento, medo, violência, etc.. Este tipo de ressonância integra a imagem do gato no campo dos valores reconhecidos pela consciência e sobre os quais a razão se apoia para determinar os nossos actos, dos mais simples aos mais importantes.

O outro tipo funciona em paralelo e é composto pelos conteúdos inconscientes, simbólicos, dos quais todas as imagens são portadoras. No que diz respeito ao gato, e onde a razão não vê mais do que um quadrúpede cujas características lhe são familiares, a imagem do felino suscita uma série de associações que se agrupam em torno do tema da flexibilidade, da disponibilidade para a transformação, da plasticidade da conduta, da feminilidade, do mistério; em suma, da abertura, da aceitação da evolução psicológica.

A primeira percepção – racional – apreende o concreto, acompanhado dos nossos sentimentos em relação ao objecto; a segunda apreende o seu simbolismo.

O que se aplica ao gato aplica-se igualmente a cada uma das centenas de imagens a que poderíamos reduzir o mundo visível.

Na verdade, se a combinação de todas as formas e cores que o compõem se pode desenrolar em milhares de cenas diferentes, os elementos simbólicos básicos a que o imaginário se refere são apenas da ordem dos dois mil. O leitor poderia sentir uma certa vertigem ao pensar que, por detrás da cortina das aparências concretas, trabalham permanentemente centenas de agentes secretos que nos conduzem onde eles querem, mesmo contra a nossa vontade.

No entanto, se aceitarmos a imagem tal como ela é, para além das aparências, ou seja, como o artesão mais poderoso da nossa animação psicológica, seremos conduzidos ao cerne de um universo surpreendente. Descobriremos que não temos aliada mais digna de confiança. Os valores autênticos que nos serão revelados, longe de formar uma nova e angustiante complexidade, organizar-se-ão eles mesmos numa ordem simplificada, que nos abrirá a via da harmonia e da serenidade.

É raro que uma imagem se possa reduzir a um único sentido. O mais frequente é que as suas características múltiplas se ofereçam a projecções várias e que a cadeia de símbolos na qual a imagem está inserida determine o seu sentido principal. Uma imagem pode ser um elo de três, quatro, cinco ou seis cadeias de representações diferentes.

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