As pedras preciosas

Georges Romey
Excertos adaptados

As pedras preciosas

Quando o sonhador chega ao centro da caverna e se encontra diante de um cofre com ferragens enferrujadas, dentro do qual se encontra o tesouro de pedras preciosas, procura em vão a chave que vai abrir o cofre. Esta chave não pertence ao mundo material. Quando chegar a altura, o cofre abrir-se-á como que por magia.

Uma frase de Oscar Wilde conduz-nos rápida e certeiramente ao coração do simbolismo das pedras ditas preciosas: O cínico é o que conhece o preço de tudo e o valor de nada! Estas palavras denunciam a armadilha à qual se expõe o imaginário que se embrenha em sonhos lapidares. O olhar que o sonhador lançar sobre o tesouro mostrará se está perdido ou se será recompensado.

O tesouro cobiçado, que traduz a atracção pelas riquezas, é uma expressão da exaltação da vontade de poder. Inscreve-se na imaginação petrificadora. O tesouro revelado, que indica o atingir da luz interior, é, simultaneamente, agente e testemunha de realização. Participa no imaginário transformador. O tesouro cobiçado torna-nos estéreis, o tesouro revelado fertiliza- nos.

As pedras são a essência luminosa do mistério interior. São, por natureza, o tesouro escondido. A luz multicolor só se revelará àqueles ou àquelas que souberem penetrar na gruta, atingir o centro da terra, abrir o cofre, descartar o que não tem valor!

A alma à qual é permitido ver o tesouro multicolor é uma alma que soube ultrapassar as aparências, desmascarar o artifício convencional do preço e descobrir a virtude universal do valor. Se o cínico é o oposto do místico, poderíamos ousar uma paráfrase: O místico é aquele que não atribui preço a nada e respeita o valor de tudo.

Se quiséssemos atribuir um preço a uma pedra onírica, estaríamos a enganar-nos. O sonho sabe que a pedra é preciosa quando participa na difusão luminosa, no raiado colorido. O tesouro interior associa o ouro às pedras preciosas.

Na maior parte dos sonhos, as pedras preciosas só valem pela sua multiplicidade. As sequências nas quais o sonhador alcança o tesouro podem agrupar-se em duas categorias:

• a das imagens que significam que o sonhador atingiu o centro de si próprio, nesse lugar incerto onde a Totalidade se revela;

• aquela em que o imaginário coloca o sonhador diante do tesouro a fim de que ele tome consciência da sua cobiça, para que escolha o abandono das riquezas e parta, valorizado por ter renunciado.

Estelle encontra-se numa rua estreita de uma cidade medieval. Há tranças de lã estendidas de um lado ao outro da rua. A sonhadora desce até aos subterrâneos de uma fortaleza. Passa diante do sarcófago de uma rainha, e, conduzida por um guia, entra num barco, num rio sombrio. As paredes encolhem, é preciso deixar o barco e baixar-se.

É a subir que Estelle atravessa um canal e se encontra numa pequena gruta:

É uma antiga pedreira de pedras preciosas… Ainda encontramos algumas enfiadas na terra. O guia diz que é perigoso estar aqui. Abre um cofre dentro do qual há dois sacos de tecido. No primeiro há pedras acastanhadas: são esmeraldas e rubis em estado bruto. São enormes e terão um aspecto magnífico quando estiverem trabalhados. No outro saco há pedras muito belas e já talhadas.

São verdes e vermelhas e brilham, soberbas. O guia tem as pedras não talhadas na mão esquerda e as pedras preciosas na mão direita. Coloca-as todas no cofre e fecha-o à chave. Precisamos de partir porque não temos o direito de estar ali.

As tranças de lã eram um prenúncio da festa multicolor. Toda esta sequência exprime a ambiguidade de uma linguagem na qual o controlo mental exerce uma atitude redutora sobre a autenticidade das imagens. As pedras que se encontram em bruto e as soberbas pedras talhadas são a imagem das potencialidades psíquicas ainda não devoradas pelos compromissos materiais.

No artigo consagrado ao ouro, reproduzimos uma longa sequência do nono sonho de Véronique. A sonhadora encontra-se numa gruta inteiramente atapetada de ouro e pedras preciosas:

Encontro-me num mar de pedrarias… estendo-me ao comprido e observo o tecto… subo à abóbada das riquezas… começo a encher um saco… e depois acho isso idiota… deixo cair o saco…

Véronique desce ao chão da gruta, inteiramente revestido de ouro. Diverte-se a deslizar, vai de encontro a um muro e a gruta desaba. As pedras que se encontram no chão são pedras vulgares. A sonhadora transforma-se em pedreiro e constrói uma pequena casa em frente ao mar, à qual vê chegar todos aqueles de quem gosta e aqueles dos quais virá a gostar.

Esta sequência é provavelmente o mais belo exemplo de como o tesouro onírico se oferece como revelador da vaidade das aparências e do valor da autenticidade.

A pedra do sonho nunca será preciosa em função do seu peso ou do seu preço. Tem o valor ilimitado do raiado multicolor, da psique inesgotável, indefinidamente criadora.

Uma das associações mais frequentes da pedra preciosa prende-se com o religioso: Cristo, Buda, um sacerdote, um monge cristão ou budista, um lugar de culto, estão em relação estreita com o tesouro da autenticidade. Esta observação implica a sensação comum a todos quantos tocam o centro do seu ser e se sentem em contacto com o Ser.

A luz total não se vê: é raiada. A Luz e a luz são como o mar e como cada gota de água que o compõe.

4 thoughts on “As pedras preciosas

  1. Adorei este texto ! Vem de encontro com muita coisa que vem acontecendo comigo. Ando sonhando bastante com pedras preciosas, aliás, as pedras de uma forma geral me encantam. Por isso estava procurando algo que me desse norte em relação aos meus sonhos quando abri este site. Obrigada mesmo!

  2. Adorei, simplesmente divinal e muito bom.Maravilhoso, adoro este tipo de texto porque também adoro escrever.

Deixe uma resposta para paula Cancelar resposta