A ave

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A ave é um símbolo de natureza arquetípica, dada a sua presença em todas as tradições e culturas. Basta pensarmos na pomba, na fénix, na águia, no falcão, etc.. É um dos símbolos mais poderosos da liberdade e da expansão da consciência. Dado que designa um ser que voa, é um símbolo utilizado para exprimir, de forma privilegiada, a relação entre o céu e a terra, entre o espírito e a matéria, entre o plano horizontal e o plano vertical.

Em grego, por exemplo, a palavra ave é sinónimo de presságio e de mensagem do céu. As aves simbolizam, pois, os estados superiores dos seres, daqueles seres que se libertaram do peso terrestre, e que assim ascenderam ao transcendente. Neste contexto, importa realçar a importância fundamental do voo, enquanto imagem da ânsia de ascensão, de verticalidade e de transcendência.

No Alcorão, o conhecimento espiritual, a verdadeira Sabedoria são designados por “língua das aves”. Na tradição hindu, a ave era um símbolo da amizade entre os deuses e os homens e, no Egipto antigo, representava a alma do defunto.

A pomba é, entre os cristãos, um dos símbolos da pureza, da paz, e a representação inequívoca do Espírito Santo. Recordemos que, no início do Génesis, o espírito de Deus se movia, como uma ave, sobre a superfície das águas primordiais.

A mais antiga demonstração da crença em almas-aves está, sem dúvida, contida no mito da Fénix. Designada como a ave de fogo, cor de púrpura (isto é, composta de força vital, solar), representava a alma para os egípcios. Segundo a lenda, após ter vivido muitos anos, a Fénix teve a coragem de se incinerar numa fogueira, regressando à vida mais bela e mais pura.

Os aspectos do seu simbolismo surgem aqui claramente: para que possa haver uma renovação da vida, é necessário que morram os aspectos mais negativos da psique humana. O homem novo só pode surgir quando tiver, em cada um de nós, morrido o homem velho.

Também a águia está presente em inúmeras tradições, simbolizando a realeza de Deus. É a rainha das aves, encarnação, substituto ou mensageira da mais alta divindade uraniana, e do fogo celeste, o sol, que só ela ousa fixar sem queimar os olhos. O cetro de Zeus, pai dos deuses da antiga Grécia, era encimado por uma águia. Identificada com Cristo, esta ave exprime também a sua ascensão e realeza deste.

Na tradição iraniana, por exemplo, o falcão ou a águia simbolizavam o poder divino. Quando um rei lendário do Irão proferiu uma mentira, o poder divino abandonou-o sob a forma de um falcão. Nesse preciso momento, o rei viu-se despojado de todos os seus atributos, tendo sido, mais tarde, vencido pelos seus inimigos. E assim perdeu o trono.

Nos Upanishads, antigas escrituras hindus, duas aves estão colocadas nos ramos da Árvore da Vida. Uma come os frutos da árvore; a outra observa sem comer. Ambas são símbolos, respetivamente, da alma individual, ativa, e do Espírito Universal, que é sabedoria pura. Embora distintos, são um único ser. (Ver poema no fim do texto).

O ninho das aves, um refúgio quase inacessível, é tido como uma representação do Paraíso, morada suprema a que a alma só terá acesso se se libertar do peso dos apegos materiais.

Muitos dos aspetos aqui referidos mostram – embora de forma deveras sucinta – a importância simbólica da ave nas diferentes tradições e culturas de todo o mundo, pelo que podemos considerá-la um arquétipo. Daí a sua presença constante nos mitos, nas lendas e nos contos maravilhosos de todas as latitudes.

Nos sonhos, a ave representa a personalidade do sonhador. Neste caso, a sua cor é relevante: Assim, a ave branca dos nossos sonho representa um elemento pacificador, e exprime a necessidade de pôr um fim a situações conflituais, enquanto a ave negra está, geralmente ligada à nossa sombra e faz alusão a crises interiores.

A ave com a asa partida testemunha um desejo contrariado de evasão ou de elevação. Talvez algum elemento do sonho permita perceber o motivo e a natureza do ferimento que impede o voo.

Uma ave maltratada, que sentimos necessidade de tratar, pode ser a projeção de uma parte ferida de nós próprios, que o sonho convida a tratar.

Se a ave se encontra prisioneira de uma gaiola, pode simbolizar que a energia de vida e a criatividade do sonhador encontram obstáculos que será necessário ultrapassar.

***

Duas aves estão pousadas na mesma árvore,

uma na parte superior,

a outra nos ramos mais baixos.

A que está no alto é calma e silenciosa

e a sua plumagem maravilhosa e resplandecente.

A que está em baixo alimenta-se de frutos de cores brilhantes

uns amargos, outros doces.

Salta de ramo em ramo, ora feliz, ora infeliz.

Quando um dos frutos é particularmente amargo,

sente-se desapontada, e, inconscientemente,

dirige o olhar para o cimo da árvore,

onde a deslumbrante ave não se move nem come.

A ave dos ramos baixos anseia por essa paz,

mas volta a comer os frutos e esquece a ave do alto,

até ao dia em que um fruto demasiado amargo

a faz cair no desespero.

De novo eleva o olhar

e, com grande esforço, alcança a magnífica ave.

O reflexo dourado das suas penas envolve-a numa onda de luz

e dissolve-a numa bruma diáfana.

Sente-se fundir-se e desaparecer…

Nunca houve senão um pássaro,

o que estava em baixo era apenas um reflexo

do que se encontrava no alto.

Os frutos doces e amargos de que se alimentava,

as penas e as alegrias do quotidiano,

não eram senão quimeras.

A única ave verdadeira esteve sempre ali,

no cume da árvore da Vida,

calma e silenciosa:

a Alma humana,

para lá das alegrias e das tristezas.

Citado por Swâmi Vivekananda (1863-1902)

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